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16 de novembro de 2011

Delegação do que não tem

Continua aquecida a disposição do prefeito municipal de transferir alguns encargos da Guarda Municipal e outros do policiamento ostensivo para agentes da Polícia Militar, mediante um documento que denomina atividade delegada a ser formalizado por convênio entre o município (delegante) e o Estado de São Paulo (delegado). Por enquanto, como primeiro passo a viabilizar o plano, encaminhou à Câmara Municipal o projeto de lei n.º 108/11 esperando a aprovação da tabela de remuneração dos agentes.

O fortalecimento do policiamento do perímetro urbano usando agentes da Polícia Militar é um desígnio que está bastante claro no ofício encaminhando o projeto de lei, ao mencionar: “... possibilitando a contratação de policiais militares visando o reforço da segurança dos próprios municipais e combate a atividades ilícitas e irregulares”. Havendo bênção da Câmara Municipal, obvia-se que aos policiais militares será entregue a função da Guarda Municipal na vigilância do patrimônio público e, ao lado disso, prosseguirão fazendo seu trabalho de origem no combate às ações ilícitas, estejam elas no âmbito criminal ou na esfera administrativa (fiscalização do trânsito, como exemplo).

A efetivação dessa vontade exige a busca de um modelo legal que acomode sem perplexidez a função da Guarda Municipal e o aumento de policiais no perímetro urbano distribuídos pela Polícia Militar, sob custeio municipal. A primeira atividade que se pretende delegar é típica da Guarda Municipal circunstância que, ao primeiro olhar, aparenta não constituir problema cedê-la ao Estado. Mas isso é só na aparência. A outra descortina ao esplendor do brilho solar a visão acusadora da impossibilidade para superar a barreira que a separa da legalidade. É notório que as Guardas Municipais incumbem zelar pela preservação do patrimônio público e atuar na orientação e fiscalização do movimento urbano de veículos, mas a função que se quer dar à Polícia Militar é uma mistura de duas coisas: 1.ª) atribuições específicas do Município como a guarda do seu patrimônio e fiscalização do trânsito; 2.ª) manutenção da ordem pública, própria da Polícia Militar, com as atribuições, direitos e deveres dos agentes demarcadas em legislação estadual (Lei complementar n.º 893/2001.

Caso o policial militar venha prestar serviços ao município, muito embora haja unanimidade nas opiniões emitidas sobre as vantagens que um miliciano treinado constantemente exerce sobre o agente civil nessa atividade, não haveria como esquivar-se da ilegalidade. Primeiramente, a lei 616/74 é aplicada ao pessoal do “serviço ativo, da reserva remunerada, aos reformados e os agregados nos termos da legislação vigente” (art. 2.º). A Lei complementar n.º 893/2001 deseja o trabalho do policial com exclusividade à corporação como observados nos incisos do art. 8.º, resumidos nestas frases: exigência de dedicação exclusiva ao serviço policial militar; proibição do policial em atividade exercer algumas atribuições, dentre elas, tomar parte da Administração; abster-se, mesmo estando na inatividade de exercer cargo ou função de natureza civil. A exceção desse rigor está no exercício do magistério concomitantemente com a função policial, e para o inativo, o serviço de segurança particular.

A mobilização de certa atividade de um lugar para outro, deslocamento rotulado de - delegação -, tornou-se prática e até rotineira entre órgãos públicos unificados no Poder de Estado, de tal arte que ao município é vedado transpassar alguma de suas funções a qualquer organismo do Estado-membro (ou da União). Delega-se o serviço ou atividade que o seu titular quer vê-los executados por outrem, mas do mesmo Poder. Se o policiamento ostensivo pertence ao Estado, como delegá-lo ao próprio Estado? A delegação da atividade da Guarda Municipal também abriga problemas porquanto a Polícia Militar não executa atividade civil, além de ser intransferível dada sua natureza de serviço específico. A esses entraves são adicionados outros que circundam uma questão de aspecto complexo como a remuneração dos policiais que passariam a receber de duas fontes pelo mesmo trabalho, e a responsabilidade civil por atos ou omissões danosos a terceiro no exercício da atividade delegada, o que será, induvidosamente, solidária entre Estado e Município. 



O autor, Alfredo Enéias Gonçalves d’Abril, é professor universitário, aposentado





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